Trabalho passa de temporário a permanente - 08/11/2009

- JC nos Bairros
Trabalho passa de temporário a permanente
Dificuldades de entrar no mercado somada à necessidade de se manter financeiramente atraem mulheres para o emprego doméstico
 
No início, trabalhar como doméstica é apenas uma forma de conseguir dinheiro para se manter por um período curto de tempo. Depois, o trabalho começa a consumir uma grande parcela de tempo, os estudos são abandonados e com eles se vão as chances de mudar de profissão. É assim que muitas domésticas ingressam na carreira: como trabalhadoras temporárias. E, por ou falta de oportunidade, comodismo ou costume acabam ficando.

Ninguém sonha em ser empregada doméstica, é a necessidade que força 15,8% das mulheres brasileiras a assumirem o cargo. Gina de Oliveira Ferreira, 38 anos, por exemplo, trabalha como empregada doméstica há 12 anos. Antes ela era chefe de seção de uma fábrica de jeans que faliu. Com a necessidade batendo à porta de sua casa, ela se viu forçada trabalhar como doméstica.

“Procuro fazer meu serviço da melhor maneira possível, mas não gosto do que faço. Durante algum tempo até tentei outro serviço, mas é complicado, acabei acostumando com a família que trabalho e me acomodei”, conta.

A necessidade financeira também foi responsável pela permanência de Ana Maria dos Reis Bueno, 50 anos, no cargo de empregada doméstica. Ela teve de trabalhar pela primeira vez quando tinha apenas 13 anos, após o falecimento de seu pai. “Para ajudar minha mãe comecei a limpar casa em troco de algum dinheiro. Parei de estudar no 2º ano do ensino fundamental. Como tenho pouco estudo, não consigo arrumar outro serviço”, conta.

Bueno tem um diferencial: ela mora na casa da patroa e é empregada em tempo integral. “Não é bom morar no trabalho. Perde-se um pouco de tudo, da liberdade, da privacidade. Por mais que eu me sinta parte da família, nada é como a casa da gente”, se queixa.

A patroa de Bueno, Emília Maria Machado Alvisi, 59 anos, conta que optou por uma empregada que more no emprego justamente por necessidade. “Eu tenho dois netos sob a minha tutela e preciso trabalhar para sustentá-los e a casa. O problema é que trabalho durante a noite, e a Ana estando em casa eu fico tranqüila”, explica.

Alvisi já chegou a se questionar se compensa trabalhar e ter de pagar o salário da empregada e todos os encargos de sua moradia. “Grande parte do que ganho vai para o salário e os encargos dela, mas preciso trabalhar porque com o que sobra consigo viver”, acrescenta.

Bueno conta que o amor que tem pelas crianças de Alvisi é o que faz se submeter ao trabalho em período integral. “Mesmo não ganhando o suficiente, não penso em trabalhar em outro lugar. As crianças são tudo para mim”, conta.


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Diaristas


Também foi pela escassez de alternativas que Léa Rodrigues se tornou diarista. “Fui manicure por muito tempo, mas tive de mudar de profissão porque tive um problema no olho. Como sei que dificilmente conseguiria alguma coisa melhor, fui trabalhar como doméstica. A minha sorte é que eu amo o que faço”, explica.

Léa faz parte das 1,645 milhão de mulheres que são diaristas no Brasil. Ela é uma das responsáveis pela mudança no mercado de trabalho: as diaristas estão ocupando um espaço em que as empregadas chamadas mensalistas reinavam absolutas.

A justificativa está na renda destas trabalhadoras: elas ganham cerca de 17% a mais que a empregada mensalista, uma diferença que representa cerca de R$ 57,00 no salário final.

“Além de ganhar mais como diarista, ainda me sinto livre para programar as minhas folgas. Eu não tenho uma obrigação, um compromisso para cumprir”, explica Léa.

O dinheiro a mais no final do mês pode fazer a diferença no futuro. Isso porque somente 14% das diaristas têm carteira assinada, uma vez que não é obrigatório registrar a empregada que não presta serviço de forma contínua.

“Nunca me preocupei com o fato de não ter carteira assinada, mas agora começo a temer por isso. Preciso começar a contribuir como autônoma, mas ainda não fui atrás disso”, conta.

Mesmo contrapondo os benefícios da remuneração na função de diarista com as desvantagens em termos de formalização, Léa não muda de idéia. “Ser diarista é melhor. Na minha folga programada eu limpo a minha casa. Amo casa limpa e cheirosa.”


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Fatores históricos têm grande
peso no perfil doméstico



A figura da empregada doméstica surgiu no Brasil Colônia e tem características da relação casa-grande versus senzala. A afirmação é da doutora em história e especializada em estudo de gênero feminista Lilian Henrique Azevedo, para quem os elementos responsáveis pela forma com que o trabalho doméstico é visto atualmente estão nas raízes da formação do Brasil.

“Era comum os senhores do engenho abrigarem negras escravas na casa grande para fazerem os serviços domésticos e também companhia para as senhoras” , conta. As relações de afeto também são provenientes deste período. “Negras que serviam como ama-seca ou ama-de-leite eram comumente como membros da família sem deixarem de ser subalternas. Um segundo aspecto é o constante envolvimento dos patrões com as escravas. A miscigenação criou laços afetivos entre patrão e empregada”, aponta.

Azevedo atribui parte da desvalorização do trabalho doméstico ao fato de que ‘ser da família’ não confere direitos. “O trabalho desenvolvido se torna invisível”, define a historiadora.

Mas a função de empregada doméstica que se conhece no Brasil não existe em países do Norte. Lá, as nativas que exercem esta função se profissionalizaram: elas são autônomas, levam todo o material e serviço para a casa onde trabalham, fazem o que tem de ser feito e são bem pagas e valorizadas por isso.

Para Azevedo, esse exercício ainda não é popular no Brasil devido aos aspectos tecnológicos. “Os Estados Unidos, por exemplo, recebeu uma colonização próxima da que recebemos, mas a Revolução Industrial surtiu efeito lá primeiro. Além disso, a necessidade de mão-de-obra barata fez as mulheres saírem de casa e trabalharem. O surgimento da comida congelada foi um grande impulsor para a profissionalização feminina”, compara.


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‘Meu diploma não vai
pagar minhas contas’



Formada como auxiliar de enfermagem, Dirce do Carmo Cardoso, 45 anos, trabalha como empregada doméstica. Ela conta que se iniciou na prestação de serviços domésticos com a intenção de ajudar a família, quando ainda era criança.

“Minha mãe conseguiu um serviço pra mim na casa de uma senhora. Então, eu saía às 12h da escola e ia direto para lá, onde ficava até o final da tarde”, lembra ela, que chegou a trabalhar 11 anos na casa da mesma família.

Mesmo trabalhando enquanto era criança, Cardoso não abandonou os estudos. Chegou a fazer curso técnico de auxiliar de enfermagem e trabalhou na área. “Me formei em 2000 e trabalhei em uma escola de crianças especiais, na cidade de Jaci. Tive de parar porque meu marido se mudou para Bauru e eu precisei sair de Pirajuí, cidade onde morava, para acompanhá-lo”, conta.

Com o diploma na mão, Cardoso mandou currículos para diversos hospitais da cidade, mas como nenhum entrou em contato no prazo esperado, voltou a exercer a antiga função. “Percebi que meu diploma não ia pagar as minhas contas, então pensei ‘vou à luta’”, explica ela, que há dois anos trabalha como mensalista em um apartamento.

Recentemente, Cardoso recebeu uma proposta para trabalhar na área de sua formação em um hospital da cidade, mas não aceitou. “Agora que trabalho aqui não troco por nada. Meu serviço é supertranqüilo, eu amo o que faço. Sem contar o filho da minha patroa, o Gabriel, ele tem 2 anos e é minha paixão. Quando ele se casar vou trabalhar para ele”, planeja.
Wanessa Ferrari
Fonte: Jornal da Cidade / Bauru