Dupla jornada ameaça saúde da mulher - 31/08/2008

 


Dupla jornada ameaça saúde da mulher
Obrigadas a se dividir entre emprego, marido e filhos, trabalhadoras acabam ficando mais sujeitas a fatores de risco
Rodrigo Ferrari
A necessidade de exercer múltiplas funções no dia-a-dia pode representar uma ameaça para a saúde das mulheres que trabalham fora. Obrigadas a se dividir entre emprego, marido e filhos, elas acabam se tornando mais sujeitas a uma série de fatores de risco como o tabagismo, o estresse e o colesterol alto. Não é raro, também, que algumas deixem de cuidar de si mesmas para se dedicar à família ou ao serviço.

Pesquisa realizada pela SulAmérica Saúde com seus segurados, entre 2004 e 2007, constatou que as trabalhadoras são mais estressadas e sedentárias do que seus pares do sexo masculino. A empresa avaliou a saúde e o estilo de vida de cerca de 28 mil de seus associados (espalhados em 12 Estados brasileiros), dos quais aproximadamente 12 mil eram mulheres.

Por meio de entrevistas, os estudiosos constataram que 71,9% delas são sedentárias, contra 57,9% dos homens. Eles notaram, ainda, que 51% das trabalhadoras são estressadas, ao passo que somente 28% dos trabalhadores o são.

A pesquisa constatou também um aumento da incidência de fatores de risco entre as mulheres entrevistadas (que, em média, tinham entre 20 e 39 anos de idade, na época em que o estudo foi realizado). Casos de colesterol elevado, por exemplo, passaram de 14,4%, em 2004 para 26%, em 2007.

Já o índice de indivíduos com sobrepeso aumentou de 27,1% para 34,7% no período analisado. Os níveis de estresse, por sua vez, mantiveram-se praticamente estáveis, nos três anos em questão, bem acima da casa dos 50%.

“Parece que a mulher contemporânea negligencia a si mesma para poder se dedicar ao trabalho, aos filhos e ao marido”, avalia o diretor de prestadores e de serviços médicos da SulAmérica, Roberto Galfi, um dos autores do estudo.

Um dos achados que mais assustaram os responsáveis pelo estudo foi o percentual de mulheres que não fazem prevenção adequada ao câncer ginecológico: cerca de 20% das trabalhadoras entrevistadas não costumam se submeter a exames periódicos para detecção da doença.

“O que espanta é que se tratam de mulheres de alta escolaridade, que ocupam cargos executivos e têm amplo acesso à informação, mas estão deixando de lado a prevenção básica a doenças graves”, diz Galfi.

Último plano

O problema talvez não esteja na falta de vontade das mulheres de ir ao médico, mas sim no fato delas não contarem com tempo disponível para isso em suas agendas. “Às vezes sinto que acabo me colocando não em segundo, mas sim em último plano”, diz a telefonista Renata de Mendonça Leme, 18 anos.

Casada, sem filhos, ela confessa que às vezes deixa de ir ao médico por conta dos inúmeros compromissos com que tem de lidar diariamente. “Eu fico deixando para a semana seguinte, só que, no fim, a data da consulta nunca chega”, brinca.

Daqui a algum tempo, a tendência é que Renata passe a ter menos tempo disponível para cuidar de sua saúde, já que ela pretende se matricular, no começo do ano que vem, em uma faculdade de administração. “Ainda bem que meu marido divide as tarefas de casa comigo e me apóia sempre que preciso”, diz ela.

Sorte que a balconista Eliana Franco de Oliveira, 36 anos, não teve, anos atrás. “Meu marido trabalhava fora, e eu tinha de acumular meu emprego e os serviços de casa. Chegou uma época em que entrei em depressão e me vi obrigada a largar quase tudo”, conta ela, que precisou ficar 15 dias afastada do serviço para poder se tratar do problema.

“O pior é que, naquele período, não havia ninguém para me ajudar com os serviços da casa. Só a minha sogra que aparecia de vez em quando para lavar uma roupa ou fazer uma faxina”, diz Eliana.

Situações como a vivida pela balconista causam “arrepios” em jovens trabalhadoras solteiras como a estudante de psicologia Jaluza Finotti, 24 anos. Ela afirma que pretende negociar com seu futuro esposo para não ser obrigada a chamar para si todos os afazeres do lar.

“Sei que ainda há muitos homens machistas, mas há vários rapazes que já aceitam dividir as tarefas domésticas com a mulher”, acredita.
 
 
31/08/2008
Tarefas se multiplicam no dia-a-dia
Para pesquisadores, quando o homem realiza um trabalho doméstico encara isso como uma ajuda à companheira
Rodrigo Ferrari

Mulheres que trabalham não estariam sujeitas a apenas duas jornadas diárias, mas sim a muitas outras mais, afirmam os estudiosos que lidam com a questão.

“Costumo dizer que as mulheres trabalhadoras têm muito mais que duas jornadas diárias: a do emprego propriamente dito; a da educação dos filhos; a da dedicação ao marido; a da economia doméstica (supermercado, feira, roupas); a da atenção aos pais e dependentes idosos. Agora, eu pergunto: quando sobra um tempo para elas próprias? Se até o descanso físico básico (dormir oito horas por noite, por exemplo) fica comprometido, que dirá arrumar um momento para atividades físicas, leitura, uma massagem relaxante”, afirma a ginecologista bauruense Carla Ribeiro Lambertini.

A historiadora e pesquisadora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Assis Lilian Henrique Azevedo lembra que, no mundo ocidental, os afazeres domésticos foram socialmente designados como sendo uma obrigação feminina.

“Dentro deste contexto em que vivemos, o homem que realiza um trabalho doméstico encara como se estivesse prestando uma mera ajuda à companheira”, diz ela. Por outro lado, a entrada da mulher no mercado seria ainda vista como uma espécie de tomada de lugar do “macho”.

“Isso era bastante claro no Brasil no começo do século 20. As grandes críticas que os operários grevistas faziam às colegas de trabalho fundamentavam-se no fato delas ganharem menos - o que servia para rebaixar o salário da categoria - e de serem pouco engajadas nos movimentos políticos. Isso era até fácil de ser explicado, já que, durante séculos, as mulheres se encontraram restritas ao espaço da casa e quase não tinham chance de participar ativamente da vida pública”, salienta.

Na visão da historiadora, o sistema capitalista soube usar a tradição em seu favor. “Já que a mulher desejava se inserir no mercado, que trabalhasse, ainda que meio período, mas que depois também cuidasse da casa”, diz.

Cabe lembrar que o serviço doméstico que as mulheres costumam executar “gratuitamente” é um dos fatores que ajudam a rebaixar os salários da economia como um todo, uma vez que torna mais barato os custos da mão-de-obra.


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Refúgio no silêncio

Maria Rita Moraes tem 33 anos, é casada e trabalha há 14 anos como telefonista em um banco em Bauru. “É um trabalho cansativo, pois muitas vezes me vejo obrigada a engolir reclamações que não competem às minhas funções. Certos dias, parece que estou vivendo uma TPM constante”, diz ela.

Quando está dominada pelo estresse, Maria Rita prefere ficar quieta no seu canto, para não ter de descontar no marido e nos filhos a fúria acumulada durante o expediente. “Não é justo levar os problemas do trabalho para casa”, pensa.

A “solução” adotada pela telefonista é bastante parecida à que a vendedora bauruense Daiane Alves Rodrigues, 18 anos, utiliza para superar o estresse. “Se estou no trabalho e vejo que estou perdendo a calma, fico quieta no meu canto até meu humor melhorar”, afirma.

Já quando está em casa e sente que vai ser dominada pelo estresse, ela prefere apelar para uma espécie de “terapia sonora”. “Fico quieta ouvindo música, e tento esquecer dos problemas do dia que passou”, diz ela.

Fonte: Jornal da Cidade / Bauru


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