Que muitas mulheres aderem aos apelos de consumo que ora aprisionam, ora realizam desejos de beleza, não é novidade. A esse respeito são notórias as imagens de mulheres que se adornavam e utilizavam cosméticos para modificar a aparência natural. Rainhas, do porte de Cleópatra no distante Egito, que nossos livros de história estamparam, e ainda estampam, para nossas crianças em algumas séries do ensino fundamental e médio mostram isso; faz tempo. Acontece que dentre povos indígenas, ainda por muitos neo-evolucionistas considerados "primitivos", realizam-se escarificações como forma de demonstração de status ou pertencimento a uma família. Punks e demais "tribos" de gentes viventes nas urbanas cidadelas ou metrópoles tatuam-se, pintam-se, sofrem mutilações de orelhas pelo peso dos brincos e outros acessórios.
Adeptos de religiões, ou práticas culturais milenares, também praticam mutilações: uma delas, para garantir a fertilidade masculina; outra para retirar das mulheres o prazer sexual. Todos os gêneros da raça humana (homens, mulheres, homossexuais, bissexuais, transexuais) pintam e bordam seus corpos, malham em academias, sofrem na manicure e procuram o melhor enquadramento para as fotos! Claro que o consumismo pode macular homens e mulheres pela busca incessante de beleza exterior. Mas creditar tanto peso nas idéias equivocadas colocadas pelo autor do artigo "Revolução do silicone e da chapinha" (https://www.jcnet.com.br/busca/busca_detalhe2008.php?codigo=125803, de 12/03), a quem respeito muito, aliás, soa falso e desculpe-me, pressiona pessoas como eu a se manifestar. A idéia da feminista "macha", mal-feita e mal-amada, avessa aos cosméticos surgiu junto com o movimento dos anos sessenta de que fala o autor. Mas ele esqueceu-se de buscar informações nos anos 80 e 90 sobre quais foram as batalhas reais e ideológicas daqueles grupos. A feminista, a mulher pode sim ser homo ou heterossexual e mãe e feminina e vaidosa e lutar por direitos. E elas vêem se organizando e realizando muitos dos seus intentos apesar dos ou com os homens. Compartilho com ele sobre as lutas de mulheres pelo direito de decidirem sobre seu próprio corpo em relação ao aborto. Lamento ter que discordar sobre o direito que também cabe a elas de fazer plástica. Não vivemos em uma sociedade ideal (desafio qualquer ser humano que conheça um exemplo desse!).
E na nossa sociedade hoje, tão diversa, como em qualquer outra que tenha sido colonizada por diferentes povos e igualmente possua diferentes práticas culturais, não vejo um isolamento das mulheres como o artigo pareceu determinar! Parece que são elas as culpadas pela sua má sorte; são elas (as "alienadas", "machistas" etc) as responsáveis pelos seus próprios destinos. Para provar a tese levantada pelo autor, eu e demais mulheres, mães ou não, pesquisadoras e feministas teríamos que desconsiderar as outras forças responsáveis por esse movimento. Não abandonemos o conhecimento dos processos históricos e também, não relativizemos demais questões deste porte. Que existam mulheres e não poucos homens que pensam como machos, disso não tenho dúvidas. Mas o convencimento das partes se dá, na minha humilde opinião, com a divulgação e o compartilhamento de informações corretas.
A autora, Lílian Henrique de Azevedo, é professora, pesquisadora e feminista
Fonte: Jornal da Cidade / Bauru
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